16 de dezembro de 2011

Espiritualidade Feminina no Caminho Druídico


“A voz da mulher é tão sagrada como a terra”

(Aniceto Xavante).

Sabemos por meio dos registros de romanos e gregos que as mulheres celtas gozavam de uma considerável liberdade (social, religiosa, sexual...) se comparadas às mulheres romanas, por exemplo. Além desses registros, a mitologia celta também nos deixa indícios do poder e atuação da mulher na sociedade celta e em seu imaginário. Exemplos de coragem, honra e prestígio feminino podem ser encontrados nas histórias factuais ou míticas da rainha Cartimandua (dos Brigantes), a rainha Boudicca (dos Iceni), Maeve, Morrigan, Macha, Morgan Le Fay, entre outras mulheres e deusas. Sem falar no poder da soberania da terra que é relacionado diretamente a certas mulheres/deusas portadoras desse poder que o entregam somente aos homens justos e dignos destinados a serem reis.

No entanto, ainda se sabe pouco sobre as mulheres celtas e, principalmente, a mulher no druidismo antigo. Ainda se discute hoje em dia se existiram de fato druidesas, ou sacerdotisas celtas. Muitos afirmam que eram raras ou que não poderiam ser consideradas druidesas, e sim magas, sábias e profetizas. Outros afirmam que elas existiram sim, e mesmo não recebendo a devida atenção e cuidado de registro pelos observadores romanos e gregos e os monges do cristianismo medieval, elas não podem ser ignoradas. Eu prefiro acreditar nesse segundo pensamento, que se baseia em muitos argumentos históricos e mitológicos, mas para não ficar um texto muito longo não os abordarei aqui.

Minha intenção neste texto não é defender a existência de druidesas ou sacerdotisas nas tribos celtas antigas apresentando provas e discutindo sobre elas. Até mesmo porque já tem certa quantidade de textos e artigos disponíveis em livros e na internet sobre essa questão (Jean Markale, por exemplo, escreveu alguns textos sobre isso). Quero apenas escrever alguns pensamentos que tenho sobre a mulher que segue o druidismo hoje e como a espiritualidade feminina pode contribuir para as suas práticas, crenças e vivências.

Uma coisa que me intriga muito é a falta de registros sobre a questão da menstruação entre os celtas. Eu me pergunto: como eles pensavam esse momento tão feminino? Que ideias, tabus e preceitos rondavam o ciclo menstrual da mulher? E como a mulher se pensava nesse período? Diversas culturas apresentam um conjunto de ideias, positivas e negativas, de poder e (im)pureza, de cura e doença, relacionadas ao sangue menstrual. Monika Von Koss, em “Rubra Força”, e Mary Douglas, em “Pureza e Perigo”, analisam diversos contextos culturais onde os tabus do sangue estão presentes. Mas sobre essa questão, os registros clássicos e medievais sobre os celtas não nos dizem nada, ou ao menos ainda não foi descoberta ou traduzida tal informação. Enfim, essa é uma lacuna que a história dos celtas nos deixou.

É nesse ponto que acho muito interessante o que a espiritualidade feminina tem a nos oferecer. Não estou me referindo especificamente às religiões modernas da Deusa ou a bruxaria, mesmo que a espiritualidade feminina perpasse essas vertentes, ela na verdade as transcende.

A consciência feminina e muitos dos aspectos daquilo que vem a ser chamado de espiritualidade feminina ou ainda ecofeminismo perpassam diversas religiões hoje. Mulheres cada vez mais tomam consciência sobre seu corpo, sua sacralidade e ciclos. Cada vez mais se faz a reflexão e crítica sobre a posição e sujeição da mulher nas sociedades, e muitas vezes essa reflexão parte de dentro da própria cultura. A teologia feminista do cristianismo está crescendo e ganhando voz e espaço dentro desse âmbito. Por isso e outras coisas é que eu acredito ser muito válida tal consciência feminina para a sociedade como um todo e para nós, mulheres que seguem ou dedicam-se ao druidismo.

Uma das ideias que mais acho interessante, e que talvez seja a central, dentro do movimento da espiritualidade feminina está relacionada aos ciclos naturais da mulher, que abrange desde o ciclo menstrual, gravidez, menopausa e o puerpério. Cada um desses ciclos tem seu simbolismo, seus aspectos físicos, subjetivos e os aprendizados para a vida da mulher. Momentos marcados pela fertilidade, introspecção, intuições, desejos, expansão, recolhimento e sabedoria. Cada mulher percebe e sente seus ciclos de uma determinada forma. E cada ciclo possui sua lição, poder e renovação para a vida da mulher.

A menstruação, que ainda é mal vista em nossa sociedade, encarada por algumas pessoas como algo impuro, sujo, perigoso e incômodo, passa a ser considerada - sob a visão de uma espiritualidade feminina - como um momento extremamente sagrado para a mulher e quem a rodeia. Nada mais feminino do que menstruar. Nada mais natural do que sangrar todos os meses, seguindo o ritmo da lua, que rege as marés, as plantações, as águas do mundo todo, e inclusive dos seres humanos, afinal nosso corpo é 70% água.
A palavra menstruação pode ser interpretada como “medida da lua” ou “tempo da lua”, já que a raiz “mens” quer dizer medida (de tempo), e o ciclo menstrual é indubitavelmente influenciado pela Lua. Os termos “lua vermelha” e “sob a influência da lua” costumam ser usados por muitas mulheres para dizerem que estão menstruadas.

Com o sangue que escorre fora de seu ventre, acredita-se que vai embora junto tudo o que precisa “morrer” na vida subjetiva e objetiva daquela mulher. Mágoas, incertezas, problemas, hábitos ruins, comportamentos e sentimentos prejudiciais vão embora junto com o fluxo rubro. Para fortalecer esse propósito, algumas mulheres nos primeiros dias de menstruação fazem uma meditação, voltadas para o oeste, pedindo para que tudo o que for ruim e prejudicial à sua vida, as coisas chatas que lhe aconteceram naquele mês, enfim, vão embora e sejam transformadas em aprendizados, força e poder para si. O ato de entregar à terra um pouco do sangue simboliza essa ação. Nos dias seguintes, por volta do terceiro dia da menstruação, a mulher realiza outra meditação, voltada para o leste, pedindo pelas coisas boas e por objetivos que deseja alcançar para o próximo ciclo. Um banho com rosas brancas pode ser feito e danças sagradas podem ser realizadas, para simbolizar e fortalecer essa intenção.

Essa é uma prática que venho buscando realizar em meus dias de “lua vermelha”, com a finalidade de fortalecer em mim a consciência sagrada dos meus ciclos e uma comunicação melhor com meu corpo. Você pode incrementar mais esses ritos menstruais, acrescentando outros ou modificando esses. Oráculos podem ser consultados nesse período, inclusive o oráculo com o sangue. Observar que formas ou desenhos o sangue forma no seu absorvente e interpretá-los, derramar um pouco do sangue num recipiente com água e ter visões e intuições do passado, presente ou futuro, entre outras maneiras, que você mesma pode criar. Basta ouvir sua intuição e perceber o que seus sonhos lhe dizem.

Imagino que algumas pessoas devem ter lido esse texto com um certo nojo ou incômodo. Espero sinceramente que não. Mas se sim, talvez seja hora de repensar os valores e ideias sobre a menstruação, a mulher e o corpo (feminino e masculino, também). Quem lhe inculcou essas ideias, afinal? Até que ponto elas prejudicam sua relação com seu corpo, sua sexualidade e sua espiritualidade?

Para aqueles e aquelas que leram minhas palavras e gostaram, já fico enormemente satisfeita. O propósito principal deste texto era compartilhar meus pensamentos e ideias sobre um assunto tão delicado e ao mesmo tempo tão forte para nós mulheres. Espero que minhas palavras tenham tocado seu coração e ventre, e despertado em você as vozes ancestrais da Mulher Sábia.

Que seu sangue seja honrado, que seu corpo seja curado, que sua alma feminina floresça e seu poder enfim se fortaleça. Assim seja!


Obs: Texto publicado também no Templo de Avalon.

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