9 de dezembro de 2012

9. Ancestrais


Hoje fez três anos que minha avó materna, Alzira (essa pessoa linda na foto ao lado), partiu para as Terras além das Ondas. E eu era, ainda sou, muito ligada a ela. Lembro bem da sua voz me chamando para a merenda da tarde. “Mayyyra...! Vem lanchar menina!”, e quando eu demorava para ir, ela insistia: “Mayra, menina, vem lanchar se não fica tarde...! Essa menina não come...”, ela resmungava. E era mesmo, quando criança era muito chata pra comer rs. E lembro-me bem do cheiro de café que rescindia pela casa quando dava umas 15:00 h. Acho que foi daí que peguei tanto gosto pelo café (mais pelo cheiro do que pelo gosto, pois prefiro o café misturado ao leite do que só o café puro). E esse costume, de “passar o café” e merendar a tarde se mantém tanto na casa de minha mãe, quanto na de minha tia (onde minha avó morava) e na minha também. Lembro de quando a minha avó preparava um lanche para mim todo especial, e ao mesmo tempo tão simples. Era café com leite e pão com manteiga cortado em pedaços, que eu mergulhava com uma colher na xícara de café e comia. Nossa... Como era gostoso! Demorei um bom tempo, bom tempo mesmo, para me acostumar a comer o pão inteiro e não cortá-lo em pedacinhos como minha vó fazia. Às vezes ainda como assim, e lembro-me dela com carinho ao fazer isso...

Acho que não há coisa mais sagrada no mundo do que a família. E acho lindo quando vejo uma família que se ama e é unida. Fico triste em ver tantas famílias desagregadas, brigando o tempo todo e parentes que não se amam e não se apoiam. Uma coisa triste isso e que só traz infelicidade e maldição a todos.

Os celtas davam uma atenção especial às famílias, os clãs, e aos membros que já se foram, os antepassados. Manter unidos os laços entre família e antepassados era mais do que importante, era fundamental para a paz e harmonia de uma casa. Coisa que hoje em dia não é uma preocupação muito constante das pessoas. Eles, os antepassados, ficam esquecidos, e nós, os descendentes, ficamos perdidos.

Não escreverei muito sobre as Três Famílias, coisa que já fiz em um texto anterior, mas vale a pena explicar um pouco sobre elas. No Druidismo a honra aos ancestrais está representada na crença das Três Famílias ou Ancestralidades, ou seja, temos Três Famílias de ancestrais, que são:

Ancestrais da Terra, que são os espíritos e seres da natureza (fadas e tantos outros seres, que em nossa região são chamados de Iaras, botos, cobras-grandes, saci, curupira, ou genericamente de Encantados). E também são os antigos que viveram e caminharam sobre esta terra a qual vivemos e caminhamos hoje, sendo os povos indígenas os mais lembrados, mas não somente eles, os povos africanos também (principalmente quando a pessoa tem uma ascendência afro). Espíritos ancestrais de animais (que alguns chamam de Totem) também são reverenciados como ancestrais da Terra.

Ancestrais de Sangue, são os que vieram antes de nós, os pais de nossos pais e mães de nossas mães. Nossos antepassados, conhecidos ou não, cujo sangue corre em nossas veias, cujos rostos podem ser vistos em nossos rostos, e cuja memória esconde-se e/ou revela-se em nossas memórias.

E os Ancestrais de Espírito ou de Caminho, que são os povos celtas e druidas antigos, os que viveram o Druidismo e a cultura celta antes de nós, que testemunharam a glória dos Deuses e que trilharam esse caminho o qual hoje estamos trilhando e também reconstruindo (na medida do possível ao nosso tempo e conhecimento, claro). São também os Deuses e Deusas celtas, se pensarmos que muitos deles são ancestrais divinizados de certas tribos.

Nunca fui de ver ou ouvir espíritos e outros seres estranhos. Mas quando escuto alguém contar histórias de visagens, fantasmas e “bichos visagentos” acho um pouco engraçado o espanto e estranhamento que essas pessoas têm. Para mim o que é uma coisa normal é considerado muito estranho e até mesmo demoníaco para outros. Seres peludos e curiosos invadindo casas no meio da mata, almas de pessoas recém-falecidas aparecendo para familiares ou amigos próximos, são histórias contadas e ouvidas com tanto medo e terror que acho até graça. Claro, que se eu passasse por uma experiência dessas ficaria gelada até os ossos e mais pálida do que já sou, até porque isso não é comum de me acontecer, mas acho que eu encararia depois o acontecimento com mais naturalidade do que muitas pessoas. Isso acontece porque, infelizmente, muitas religiões (principalmente, o cristianismo e suas vertentes) não preparam seus adeptos para lidar bem com a morte (e os mortos), e aí quando uma situação dessas acontece, a pessoa pensa logo que é obra do demônio (assim como um monte de outras coisas). Que vida triste deve ser dessa pessoa que pensa que quase tudo (ou praticamente tudo) no mundo é obra do “demônio”...

Li uma vez, não lembro direito onde, um pequeno conto* sobre um diálogo entre um padre e um sábio irlandês. O sábio perguntava ao padre onde estavam seus mortos, e o padre respondia: “No cemitério que você vê aqui perto, sob as lápides de pedra, sob a terra fria e escura”. O padre perguntou ao sábio o mesmo, e este lhe respondeu: “Nossos mortos estão aqui”, levantou o dedo e no mesmo instante o padre viu as almas de seus entes conhecidos e também pessoas desconhecidas pairando sobre todo o ar que os cercava, nas árvores, no céu, nas nuvens, no vento, nos rios, nas pedras, em tudo.
Legal né?! Adoro essa história...

No Druidismo, diferentemente da Wicca, por exemplo, os ancestrais são lembrados e honrados em todos os festivais sagrados, não só em Samhain (Samonios ou Oíche Samhna, a “Festa dos Antepassados”, o Fim do Verão). E muitos druidas e druidistas ou recons. celtas possuem em suas casas um altar ou espaço dedicado somente à eles. Acho isso bem legal e estou montando aos poucos um altar dos ancestrais em minha casa. Uma mesa ou bancada com fotografias, retratos, lembranças, joias e objetos pessoais dos antigos, onde você possa realizar orações e oferendas aos antepassados é uma forma bem interessante de manter a memória deles viva, fortalecendo com isso os laços entre eles e a família.

Tive há poucos dias atrás uma experiência que não sei dizer, sinceramente, se foi viagem da minha cabeça ou se foi real mesmo. Estava acordando de um sono ou cochilo da tarde e enquanto tomava coragem para levantar da cama fiquei olhando para o ventilador de teto, que tem embutida uma lâmpada e que está envolta por uma proteção ou uma capa (não sei ao certo o nome disso) de vidro fosco. Fiquei olhando fixamente para a lâmpada, ou melhor, a capa de vidro e de repente começou a se formar no reflexo um rosto de uma pessoa que ia mudando para outro rosto, e depois mudava para outro e assim ia. Foram uns cinco ou seis rostos diferentes (de homens e mulheres, o último parecia ser de um menino) e desconhecidos para mim. Veio-me na mente uma pergunta, “O que vocês querem?”, e em seguida a reposta: “Ser lembrados”. Bom, real ou não essa experiência foi válida, porque no fundo acredito que o que os antepassados mais querem é basicamente isso, serem lembrados. É o que mantêm eles vivos em nossas memórias e corações, e o que mantêm o “mundo de cá” ligado ao “mundo de lá”.

Já assistiram ao filme “Um olhar do Paraíso”? É bem interessante. Acredito muito na ideia que é trabalhada no filme, de que o mundo espiritual está ligado ao mundo físico e, o mais importante, que o que é feito no mundo de lá afeta o quê e quem está aqui, e o que é feito no mundo aqui toca o quê e quem está lá.
No final das contas acho que o que eles (os antepassados e espíritos) mais querem é ser lembrados, não com pesar ou tristeza, mas com saudade e amor. Porque afinal, todo mundo morre um dia, e também renasce.

("Remember the dead", foto de Graham M. Green).


* O conto está escrito aqui com minhas palavras, mas a ideia é essa mesma.

** Dedico esse texto à minha amada avó, Alzira Fecury Hage. Que ela esteja em paz e alegria na Terra dos Abençoados. 

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