1 de dezembro de 2012

3. Terra e Natureza

(Lia Fail, na Colina de Tara, Irlanda, onde os antigos reis eram coroados. Foto de John Duncan, do Flickr).


“O Rei e a Terra são um”, uma ideia frequente e forte nos mitos e cultura celta. Quem confere poder ao rei, em termos míticos e simbólicos (e, portanto, sociais) não é necessariamente o povo ou a tribo, mas a Deusa da Soberania, personificação da própria Terra e Natureza Sagrada. Somente quando o rei se une à Soberania, como no antigo ritual de união do rei com a égua sagrada (representação da deusa da soberania) ou quando é oferecida a ele a taça com uma bebida por uma Donzela feérica (tida como a esposa de Lugh) é que ele é reconhecido como Rei e digno de liderar seu povo.

Era uma aliança sagrada que deveria ser respeitada, e ela se estende para além da relação entre o rei e a terra, pois é também uma aliança entre a tribo e a terra, os deuses e os humanos, a natureza e a humanidade, a sabedoria e o poder. O desequilíbrio ou a desonra dessa relação implicaria em desgraça, doença e infertilidade em todos (rei, tribo e terra). É o que vemos no mito de Arthur, o rei, no final de seu reinado e a busca incansável pelo Graal.

A Deusa da Soberania tem muitas faces e nomes, e ao mesmo tempo nenhuma identidade. Ela permeia toda a extensão da terra, é quem comanda a mudança das estações, a fertilidade dos campos e animais. Ela é o florescer da primavera e também o vento frio do inverno. É o canto de um bem-te-vi e também o cheiro pútrido do urubu. É a cantiga de ninar da mãe que acalenta seu filho e o choro sofrido dos que perdem um parente querido... Ela é Epona, Cerridwen, e Ériu... É a Senhora Fada da Natureza que detém o poder sob o bastão que ora está nas mãos de Beira ora nas mãos de Bríde. Como Danu, ela é a própria terra, viva e pulsante, mais velha do que o próprio tempo e tão ancestral que nenhum mito sobre ela nos restou aos dias atuais. Grande Rainha, Alma do mundo, Mãe das Fadas, Mãe dos Deuses e homens...

(Ériu, imagem de Katy Kianush).

Para além das terras célticas ela existe aqui também, no Brasil e na Amazônia (onde nasci e vivo), e assume outras formas e características. Ela é Cy, a Mãe tupi-guarani. É a Senhora das Águas, denominação maravilhosa de Lucy Pena às diversas estatuetas femininas produzidas há alguns milênios por populações antigas (e muito pouco conhecidas, infelizmente) da Amazônia e encontradas na região, mais especificamente no Pará. Diversas estatuetas, com diferentes tamanhos e desenhos, mas todas seguindo o mesmo padrão artístico.

(“Senhora das Águas”. Réplica em tamanho ampliado de uma estatueta feminina encontrada no Marajó. Foto de meu arquivo pessoal).

(Minha pequena estatueta da “Senhora das Águas”, em um vaso na varanda de casa)

Obviamente que Cy e a Senhora das Águas não são as mesmas que Ériu e Epona. Mas todas são Senhoras da Natureza, da própria Terra, em suas terras. E nós, druidas, druidesas, druidistas e recons. celtas, vivendo em terras brasileiras devemos reatar a aliança não só com Ériu, a Soberana da Irlanda, ou Epona, Grande Rainha dos gauleses, mas também com a Deusa da Terra que nos acolheu e nos gerou nessa vida. Sei que estamos ligados profundamente às terras célticas, mas não podemos deixar de honrar e cuidar da terra em que nascemos e caminhamos agora.
Alguns devem lembrar daquela cantiga que diz... “A Terra é nossa Mãe, devemos cuidar dela...” *. Pois então, cuide dela, e ela cuidará de ti. Caminhe com ela, e ela caminhará ao teu lado. Cante para ela, e ela curará os teus males. E então, a tua voz será a voz dela. Os teus sonhos, serão os sonhos dela. A tua felicidade, será a felicidade dela. E o teu poder, será também o dela...

Finalizo compartilhando essa música/vídeo que simplesmente amo e que me tocou profundamente a alma quando ouvi pela primeira vez há uns anos atrás, e sempre me arrepio quando a escuto. A música é “The Voice”, e nessa versão é cantada pelo grupo Celtic Woman. Essa música me acompanhou enquanto escrevia esse texto, e para mim fala claramente, e da maneira mais doce e verdadeira, sobre a Deusa Terra, seja ela a Ériu, Epona, Cerridwen, Pachamama ou a Senhora das Águas... Que a sua Voz seja sempre ouvida e seu chamado sempre atendido!



The Voice

I hear your voice on the wind,
And I hear you call out my name,
'Listen my child', you say to me,
'I am the voice of your history
Be not afraid, come follow me,
Answer my call and I'll set you free'

I am the voice in the wind and the pouring rain
I am the voice of your hunger and pain
I am the voice that always is calling you
I am the voice, I will remain

I am the voice in the fields when the summer's gone
The dance of the leaves when the autumn winds blow
Ne'er do I sleep throughout all the cold winter long
I am the force that in springtime will grow

I am the voice of the past that will always be
Filled with my sorrow and blood in my fields
I am the voice of the future, Bring me your peace
Bring me your peace and my wounds, they will heal

I am the voice in the wind and the pouring rain
I am the voice of your hunger and pain
I am the voice that always is calling you, I am the voice

I am the voice of the past that will always be
I am the voice of your hunger and pain
I am the voice of the future, I am the voice

I am the voice, I am the voice, I am the voice



* Os que participaram do III EBDRC lembrarão da cantiga, eu espero rs ; ) .


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