(Docas, em Belém, foto de Mara Hermes, do Flickr)
Caminhando um pouco pela cidade
de Belém é possível perceber o tratamento que estamos dando as nossas águas...
Ou seja, nenhum. Estava eu andando ali nas Docas, um lugar movimentado da
cidade, área nobre e turística, quando senti o cheiro pútrido da vala... Não
era simplesmente o cheiro da fossa, era como se estivesse entrado num banheiro
imundo e ainda com a descarga quebrada...! Não estou exagerando, minha irmã e
cunhado que estavam comigo também sentiram esse cheiro. E olha que é ali, na
área nobre de Belém... Imagine nos bairros periféricos da cidade...
Belém não possui saneamento
básico decente, a prefeitura não trata o esgoto antes de ser lançado nos
canais, pelo contrário, o que sai de nossas privadas e pias vai diretamente
para os canais...! Isso é um absurdo!!! Canais que são originalmente rios,
igarapés... Ou pelo menos eram... Se tivéssemos um adequado tratamento de
esgoto, com certeza as águas desses canais não estariam tão poluídas como estão
hoje. Poderíamos quem sabe nadar nessas águas? Ou ao menos desfrutar de fato de
um lazer nesses locais, e não passar correndo por eles pra não sentir o cheiro
podre de cocô. A vida nesses antigos rios e igarapés é prejudicada, as pessoas
que moram no entorno deles são prejudicadas, a população inteira da cidade é
prejudicada. E como ainda hoje nossos representantes políticos não tomam uma
atitude para resolver essa situação? Como a população não se conscientiza de
cobrar isso do poder público ou ao menos de protestar? Estamos mesmo muito
acomodados... Belém então...?! A população só quer saber de “tremer” nas
aparelhagens, passear no shopping, curtir um som na balada lá nas Docas... E se
sentir cheiro de merda? “Fecha o vidro do carro, liga o ar e tapa o nariz,
maninho!” E sobre a “onda” do “treme”, sem comentários... A mídia ainda dá a
maior corda para essa “cultura” (oi?) que sinceramente não passa nada de bom para
os jovens. Cadê o nosso carimbó? O siriá? E tantas outras manifestações
tradicionais? Cadê a valorização aos mestres populares do Pará? Ficaram
esquecidos? Eles com certeza não se esqueceram...
("Chuva abraçando Belém", foto de Fausto Nocetti, do Flickr)
Belém é a cidade das águas,
incontestavelmente. Mais ainda do que cidade das mangueiras. A chuva é a grande
rainha dessa terra. É ela que marca as nossas estações. A falta dela ou o seu
excesso esvazia ou enche os rios. Estes, por sinal, espalhados em todos os
lugares. Muitos, infelizmente, foram soterrados ou aterrados para a construção
de casas, prédios e condomínios... Um crime ambiental. Belém é uma cidade
alagada na verdade. Um grande igapó. Poucos locais são de terra firme. Mais
ainda sim, somos insistentes e irresponsáveis. Destruímos áreas verdes e
naturais para construir prédios sem fim. Na própria rua onde mora minha mãe, no
bairro Batista Campos, tem um prédio altíssimo por sinal em construção. Já teve
a licença ambiental não sei quantas vezes barrada, mas quase sempre conseguiam
dar um “jeitinho”. Agora, parece que está parado de novo. Lembro que logo no
começo da construção tubos e canos enormes ficaram dias e dias puxando água do
fundo da terra e jogando sabe onde? Diretamente na vala. Tenho quase certeza
que a água que estavam tirando era de um lençol freático... ou no mínimo ligada
ao canal/igarapé aqui próximo. A água que escorria pelos canos era limpa,
clara... e estava sendo ali jogada na vala... Senti como se estivessem secando
uma veia. Uma veia da terra... Outro crime ambiental. Desses que a gente vê em
cada esquina... infelizmente.
Um dos principais reservatórios
de água de Belém, que abastecem a cidade, fica no Parque do Utinga, uma área
(diz que) de proteção ambiental. No entorno é possível ver lixo, jogado quase
sempre pela população mesmo, a cerca que o envolve encontra-se em muitas partes
torcida ou quebrada... Enfim, um lugar que de longe a gente percebe que está
mal cuidado, pela prefeitura e pela população, coisa que aliás não deve ser
encarada separadamente. Se uma está com problemas, com certeza a outra também
está.
A enorme tubulação de água que
sai do Utinga e abastece a cidade fica ali, exposta na rua, bem na João Paulo
II (antiga 1º de Dezembro), enferrujada, cheia de pichação, mato e lixo ao
redor... E coladinha nela, uma invasão. Pense numa água “limpa” que chega em
sua casa?! E mesmo não sendo aquela coisa, com a qualidade ideal que deveria
ter, muitos bairros em Belém sofrem com a falta contínua de água. Alguns ficam
dias, semanas sem água. Ô prefeito! Eles pagam impostos também e é um direito de
todos terem água encanada e limpa em suas casas, sabia?
Para piorar, muitos dos que tem
água em suas casas ainda a desperdiçam. É torneira com defeito pingando
dia-e-noite, é chuveiro ligado por horas no banho, é gente lavando carro na
mangueira (e enquanto ele ensaboa o carro, a água tá lá... escorrendo na
vala)...
É um descaso total com a água. A
cidade de Belém, o Pará e, infelizmente, o Brasil como um todo, não respeitam e
não cuidam das águas que temos (se é que são “nossas”). Belém é uma terra que
chove pra caramba, não é possível que não tenham pensado num projeto para
captar e tratar a água da chuva como alternativa a água dos rios?! Se pensaram,
então estão com preguiça ou má vontade de coloca-lo em prática, assim como
tantos outros bons projetos engavetados.
Pensemos no nordeste que está
sofrendo a pior seca das últimas décadas! E isso quase não se fala nos
jornais... A moda agora é falar do Papa... Pessoas e animais estão sofrendo e
morrendo por causa da seca no sertão. Cidades do nordeste têm que passar por um
racionamento de água rigoroso, enquanto noutras cidades não só do Pará, mas do
Brasil desperdiçam água a bangú e poluem monstruosamente os rios, igarapés e
todas as águas da cidade e do interior... Não interessa que eles estejam
“longe” de você e vivem noutra região. Eles são nossos parentes! Pisamos no
mesmo solo, na mesma terra, país e planeta! Não podemos mais ser tão
egocêntricos assim. Estamos acabando com a natureza e com nós mesmos, já que
ela não está separada de nós, acredite você ou não nisso.
Nesse dia 23 de março é o Dia da
Água no calendário civil, façamos essa reflexão... Se possível façamos
manifestações e protestos em nossas cidades sobre essa questão. Como estamos
tratando as águas dessa terra? Rios, igarapés...? Será que viraram todos canais?
Esgotos a céu aberto? Ah Belém... Que vergonha... De mim, de ti, de todos nós
que deixamos que isso acontecesse.
Faço um pedido, singelo, simples:
cuidemos de nossas águas. Sem água não há vida.
E faço um convite, vamos fazer
cada um em sua cidade, no dia e hora melhor para cada um de nós, um ato
simbólico, sagrado para pedir desculpas e honrar as águas de nossa cidade. Ao
passar por um canal, que antes era um rio ou igarapé, pare um pouco ali, olhe
para ele, pense no que ele foi um dia e como poderia ser no futuro melhor...
Deixa teus pensamentos voarem ali, deixa aquelas águas turvas, limpas ou seja
lá como estiverem, falarem contigo... E como um pedido de desculpas e um ato de
reconhecimento àquelas Águas jogue ali uma flor bem bonita e cheirosa. Com uma
leve reverência se retire dali e volte a sua vida cotidiana... Depois me conte
como foi, se quiser, eu gostaria muito de saber.
No mais, desejo um feliz Dia da
Água para todos nós, e principalmente para elas, as Águas. E feliz Equinócio de
Primavera, que aqui em terras belenenses já se manifesta com sua dança de chuva
e calor intenso...
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