14 de março de 2013

Dia da Água e reflexões


(Docas, em Belém, foto de Mara Hermes, do Flickr)

Caminhando um pouco pela cidade de Belém é possível perceber o tratamento que estamos dando as nossas águas... Ou seja, nenhum. Estava eu andando ali nas Docas, um lugar movimentado da cidade, área nobre e turística, quando senti o cheiro pútrido da vala... Não era simplesmente o cheiro da fossa, era como se estivesse entrado num banheiro imundo e ainda com a descarga quebrada...! Não estou exagerando, minha irmã e cunhado que estavam comigo também sentiram esse cheiro. E olha que é ali, na área nobre de Belém... Imagine nos bairros periféricos da cidade...

Belém não possui saneamento básico decente, a prefeitura não trata o esgoto antes de ser lançado nos canais, pelo contrário, o que sai de nossas privadas e pias vai diretamente para os canais...! Isso é um absurdo!!! Canais que são originalmente rios, igarapés... Ou pelo menos eram... Se tivéssemos um adequado tratamento de esgoto, com certeza as águas desses canais não estariam tão poluídas como estão hoje. Poderíamos quem sabe nadar nessas águas? Ou ao menos desfrutar de fato de um lazer nesses locais, e não passar correndo por eles pra não sentir o cheiro podre de cocô. A vida nesses antigos rios e igarapés é prejudicada, as pessoas que moram no entorno deles são prejudicadas, a população inteira da cidade é prejudicada. E como ainda hoje nossos representantes políticos não tomam uma atitude para resolver essa situação? Como a população não se conscientiza de cobrar isso do poder público ou ao menos de protestar? Estamos mesmo muito acomodados... Belém então...?! A população só quer saber de “tremer” nas aparelhagens, passear no shopping, curtir um som na balada lá nas Docas... E se sentir cheiro de merda? “Fecha o vidro do carro, liga o ar e tapa o nariz, maninho!” E sobre a “onda” do “treme”, sem comentários... A mídia ainda dá a maior corda para essa “cultura” (oi?) que sinceramente não passa nada de bom para os jovens. Cadê o nosso carimbó? O siriá? E tantas outras manifestações tradicionais? Cadê a valorização aos mestres populares do Pará? Ficaram esquecidos? Eles com certeza não se esqueceram...

("Chuva abraçando Belém", foto de Fausto Nocetti, do Flickr)

Belém é a cidade das águas, incontestavelmente. Mais ainda do que cidade das mangueiras. A chuva é a grande rainha dessa terra. É ela que marca as nossas estações. A falta dela ou o seu excesso esvazia ou enche os rios. Estes, por sinal, espalhados em todos os lugares. Muitos, infelizmente, foram soterrados ou aterrados para a construção de casas, prédios e condomínios... Um crime ambiental. Belém é uma cidade alagada na verdade. Um grande igapó. Poucos locais são de terra firme. Mais ainda sim, somos insistentes e irresponsáveis. Destruímos áreas verdes e naturais para construir prédios sem fim. Na própria rua onde mora minha mãe, no bairro Batista Campos, tem um prédio altíssimo por sinal em construção. Já teve a licença ambiental não sei quantas vezes barrada, mas quase sempre conseguiam dar um “jeitinho”. Agora, parece que está parado de novo. Lembro que logo no começo da construção tubos e canos enormes ficaram dias e dias puxando água do fundo da terra e jogando sabe onde? Diretamente na vala. Tenho quase certeza que a água que estavam tirando era de um lençol freático... ou no mínimo ligada ao canal/igarapé aqui próximo. A água que escorria pelos canos era limpa, clara... e estava sendo ali jogada na vala... Senti como se estivessem secando uma veia. Uma veia da terra... Outro crime ambiental. Desses que a gente vê em cada esquina... infelizmente.
Um dos principais reservatórios de água de Belém, que abastecem a cidade, fica no Parque do Utinga, uma área (diz que) de proteção ambiental. No entorno é possível ver lixo, jogado quase sempre pela população mesmo, a cerca que o envolve encontra-se em muitas partes torcida ou quebrada... Enfim, um lugar que de longe a gente percebe que está mal cuidado, pela prefeitura e pela população, coisa que aliás não deve ser encarada separadamente. Se uma está com problemas, com certeza a outra também está.
A enorme tubulação de água que sai do Utinga e abastece a cidade fica ali, exposta na rua, bem na João Paulo II (antiga 1º de Dezembro), enferrujada, cheia de pichação, mato e lixo ao redor... E coladinha nela, uma invasão. Pense numa água “limpa” que chega em sua casa?! E mesmo não sendo aquela coisa, com a qualidade ideal que deveria ter, muitos bairros em Belém sofrem com a falta contínua de água. Alguns ficam dias, semanas sem água. Ô prefeito! Eles pagam impostos também e é um direito de todos terem água encanada e limpa em suas casas, sabia?
Para piorar, muitos dos que tem água em suas casas ainda a desperdiçam. É torneira com defeito pingando dia-e-noite, é chuveiro ligado por horas no banho, é gente lavando carro na mangueira (e enquanto ele ensaboa o carro, a água tá lá... escorrendo na vala)...
É um descaso total com a água. A cidade de Belém, o Pará e, infelizmente, o Brasil como um todo, não respeitam e não cuidam das águas que temos (se é que são “nossas”). Belém é uma terra que chove pra caramba, não é possível que não tenham pensado num projeto para captar e tratar a água da chuva como alternativa a água dos rios?! Se pensaram, então estão com preguiça ou má vontade de coloca-lo em prática, assim como tantos outros bons projetos engavetados.
Pensemos no nordeste que está sofrendo a pior seca das últimas décadas! E isso quase não se fala nos jornais... A moda agora é falar do Papa... Pessoas e animais estão sofrendo e morrendo por causa da seca no sertão. Cidades do nordeste têm que passar por um racionamento de água rigoroso, enquanto noutras cidades não só do Pará, mas do Brasil desperdiçam água a bangú e poluem monstruosamente os rios, igarapés e todas as águas da cidade e do interior... Não interessa que eles estejam “longe” de você e vivem noutra região. Eles são nossos parentes! Pisamos no mesmo solo, na mesma terra, país e planeta! Não podemos mais ser tão egocêntricos assim. Estamos acabando com a natureza e com nós mesmos, já que ela não está separada de nós, acredite você ou não nisso.

Nesse dia 23 de março é o Dia da Água no calendário civil, façamos essa reflexão... Se possível façamos manifestações e protestos em nossas cidades sobre essa questão. Como estamos tratando as águas dessa terra? Rios, igarapés...? Será que viraram todos canais? Esgotos a céu aberto? Ah Belém... Que vergonha... De mim, de ti, de todos nós que deixamos que isso acontecesse.
Faço um pedido, singelo, simples: cuidemos de nossas águas. Sem água não há vida.
E faço um convite, vamos fazer cada um em sua cidade, no dia e hora melhor para cada um de nós, um ato simbólico, sagrado para pedir desculpas e honrar as águas de nossa cidade. Ao passar por um canal, que antes era um rio ou igarapé, pare um pouco ali, olhe para ele, pense no que ele foi um dia e como poderia ser no futuro melhor... Deixa teus pensamentos voarem ali, deixa aquelas águas turvas, limpas ou seja lá como estiverem, falarem contigo... E como um pedido de desculpas e um ato de reconhecimento àquelas Águas jogue ali uma flor bem bonita e cheirosa. Com uma leve reverência se retire dali e volte a sua vida cotidiana... Depois me conte como foi, se quiser, eu gostaria muito de saber.

No mais, desejo um feliz Dia da Água para todos nós, e principalmente para elas, as Águas. E feliz Equinócio de Primavera, que aqui em terras belenenses já se manifesta com sua dança de chuva e calor intenso...

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