16 de dezembro de 2011

Druidismo na Amazônia


Foto de Adriano Cavalcante. Paisagem em Soure (Ilha do Marajó-PA).


Um dos princípios fundamentais do Druidismo é honrar nossas Três Famílias de Ancestrais, que são os Ancestrais da Terra (povos nativos de sua região ou país e espíritos da natureza), Ancestrais de Sangue (nossos antepassados) e Ancestrais Divinos (os Deuses e Deusas Celtas).

Contextualizando para a Amazônia, onde nasci e resido (no Pará), os Ancestrais da Terra seriam os povos indígenas que habitaram e habitam a região, como o povo Tupinambá, Mundurucu, Aruã, Sateré-Mawé, Mawés e tantos outros (alguns já nem mais existem nesse mundo...); e os espíritos da natureza, que são Iara, Mãe do mato, Mãe do rio, Cobra Grande, Boto e uma infinidade de seres que guardam a mata e o rio chamados de encantados e caruanas. Nem todos esses seres são amigáveis, vale lembrar. Por isso o cuidado e o respeito serem extremamente necessários ao adentrarmos em um local, como matas e proximidade de igarapés e mangues, considerados locais onde eles habitam ou portais para o seu mundo (chamado de Fundo ou Encante).
Isso não é diferente nas culturas celtas, em que nem todas as ‘fadas’ e seres que habitam os Sídhe são amigáveis com os humanos. Alguns são indiferentes e outros podem ser mesmo hostis. Aqui em minha região, costuma-se dizer que um encantado pode malinar (fazer mal) uma pessoa sem nenhum motivo aparente, apenas por vontade. Às vezes o motivo é um desrespeito com o local onde eles habitam (sujar, por exemplo), caçar demasiadamente um tipo de animal ou passar em horas impróprias ou mágicas perto do rio ou mata, como ao meio-dia, às 15:00 h e 18:00 h.

Para algumas pessoas isso não passa de crença ou superstição do povo caboclo ou ribeirinho. Mas a verdade é que isso faz parte de todo um modo de vida, de pensar e relacionar com o meio a sua volta dessas populações. Muitas pessoas não conhecem ou sequer valorizam a cultura do local onde vivem. Observo com pesar muitos indivíduos que nasceram e moram na região amazônica, ou no Brasil, e não conhecem ou não dão devido valor a sua história, sua cultura. Pessoas que não gostam de sua terra, não gostam de viver no Brasil, na Amazônia, ou de serem brasileiros ou amazônidas. E como não gostam, não sentem vontade de lutar para melhorar a realidade de sua vida e sua comunidade. Isso é resultado, de certa forma, de todo um processo de colonização e história de uma sociedade que nos fizeram pensar que o Brasil e sua população não possuem valor e estão aí para serem explorados. Explorar a terra, os rios, os animais, as pessoas...

Uma pessoa que segue o Druidismo jamais deve pensar dessa forma. Algumas atitudes devem ser cultivadas entre aqueles que procuram estudar e viver o Druidismo, penso que algumas delas sejam as seguintes.
Primeiro de tudo, considerar sua terra como sagrada ou no mínimo merecedora de reverência e respeito, assim como todo o planeta. Devemos entender que o Brasil, a Amazônia, enfim, são espaços sagrados, tão quanto é a Irlanda, a Escócia e as terras célticas.

Conheça a história e a cultura de seu país e região. Ao conhecermos nosso passado, entendemos o presente e podemos mudar o futuro. Você não precisa ser um revolucionário ou militante político se não quiser. Podemos mudar o futuro de nossa comunidade ou região trabalhando a conscientização dentro de casa, do ambiente de trabalho e entre os amigos. Fazer as pessoas ao nosso redor conhecerem e refletirem sobre sua realidade já é muita coisa, mesmo que não pareça.
Conheça a cultura, a música e dança folclórica de sua região e país. Você não precisa sair dançando o samba, o frevo ou carimbó, se não quiser. Mas entender apenas que essas formas de arte são maravilhosas, falam por si, falam da história, cultura e imaginário de um povo.
Conheça um pouco sobre as plantas da região, suas propriedades medicinais e místicas. Temos na Amazônia e no Brasil como um todo uma diversidade rica e ainda pouco conhecida de ervas, plantas e árvores, cada uma com sua essência e poder.
Saiba sobre os animais comuns da natureza a sua volta, observe sua beleza, seu canto, seu movimento, suas cores e hábitos. Os animais são mensageiros dos deuses e também nossos irmãos.

Tenha a consciência de que uma árvore, um rio, uma pedra ou inseto que seja possui vida. O povo do interior conta que alguns encantados tomam a forma de animais, e não se engane em pensar que todos eles são amigos. Mas em todo caso, tenha respeito, sinta respeito e humildade com esse ser e sua morada, e nenhum mal ele poderá lhe fazer.
Não é muito pedir para que você acredite em botos e mães d’água. Se você acredita em fadas e leprechauns da Irlanda, porque não crer no povo encantado da Amazônia ou do Brasil? (lembrando da fala do amigo João Uberti em uma palestra no II Encontro Brasileiro de Druidismo). Importante apenas ter em mente que um não equivale ao outro. Quero dizer, o boto não é a selkie, curupira não é o Homem Verde e a matinta não é a Morrigan. As semelhanças entre eles pode até ser óbvia, mas há algumas características marcantes de cada um que não podemos ignorar, pois são seres relacionados a certos locais e suas personalidades chegam a ser bem diferentes.

Alguns seres encantados da Amazônia:

Iara: palavra que quer dizer “senhora da água” ou “sobre a água”. Espírito feminino que mora e protege um rio ou igarapé. Se sentir que seu lugar está sendo desrespeitado por algum invasor que entra sem pedir licença, pode malinar essa pessoa provocando uma doença ou levando-a para o fundo. Também são chamadas de mães d’água e podem assumir a aparência de alguém conhecido para atrair a pessoa para o fundo da água.


Mãe do Mato: Encantado que protege as matas fechadas, árvores e animais que ali circulam. Pode mundiar (malinar) com caçadores que matam demais um tipo de animal ou pessoas que sujam o local ou fazem muito barulho enquanto andam na mata. Costuma aparecer em forma de sombra ou como um animal (geralmente um veado) para a pessoa.

Boto: Encantado que assume a forma de um homem bonito entre os humanos para seduzir moças em período de menstruação. Dizem que ele é atraído pelo sangue menstrual. As moças que se relacionam durante certo tempo com os botos podem ou morrer ou engravidar deles, dando a luz crianças normais ou botos (encantados), propriamente, e nesse caso eles devem ser deixados no rio para viverem no fundo. Há quem diga que os botos são na verdade marinheiros que aportam em cidades ribeirinhas e se aventuram com moças do local. Mas... vai saber. Infelizmente, existem pessoas insensíveis e covardes que matam esses animais para pegar apenas os olhos e o sexo, acreditando ser afrodisíaco. Isso é um crime e uma maldade terrível com esses animais...

Cobra-Grande: há vários tipos de cobras-grandes na Amazônia, algumas são princesas encantadas que se transformam em cobras como castigo por alguma transgressão. Outras são crianças que nascem com essa natureza (provavelmente filhas de encantados). Outras são caruanas importantes do fundo que auxiliam os pajés nos trabalhos de cura. E outras são cobras enormes que amedrontam pescadores e ameaçam afundar seus barcos. Reza a lenda que existe uma cobra-grande embaixo da cidade de Belém, com a cabeça localizada na Igreja matriz, e o rabo na Igreja em São Luís (Maranhão). O dia em que essa cobra se mexer, a cidade inteira vai para o fundo, e a cidade do fundo, com todos os encantados, vem à superfície. Acredito que exista algo mais substancial na lenda da cobra-grande, uma herança mítica ancestral quase esquecida. A tradição dos Mawés conta que a Grande Serpente, Mói wató Mãgkarú-sése, mãe de todas as cobras-grandes, teve que sacrificar seu corpo para ser transformado em nosso planeta (Urutópiag, de Yaguarê Yamã). Assim, do corpo da grande-cobra mãe surgiram as florestas, rios e muitos dos seres que conhecemos.

Matinta-Perera: seu nome nem é pronunciado em algumas cidades, de tão perigosa que é essa bruxa. Uma mulher (mas pode ser homem também) que tem o fardo de se transformar em matinta a noite para fazer o mal às pessoas ou testar sua coragem. Transforma-se em pássaro que anuncia a sua chegada com um assovio bem alto e agudo. Contam que se oferecer a ela café e tabaco, no dia seguinte ela vem buscar na sua casa. É um ser muito hostil e perigoso, de aparência feia que assusta até os ossos. Melhor nem mexer.

Há muitos outros seres que povoam o imaginário e a vida do povo na região, tão diversos quanto a própria Amazônia... mas fico por aqui, talvez em outro momento seja oportuno abordar mais coisas.


Obs.: essas informações são baseadas em livros que estudo sobre o folclore e a encantaria amazônica, e também em pesquisas de campo realizadas nos últimos anos em cidades do interior do Pará, além de casos e histórias contadas por conhecidos meus.

Obs.2: Texto publicado primeiramente no site do Templo de Avalon e blog do Nemeton Samaúma.

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