28 de dezembro de 2013

O caminho do Vate (Fáith)



Algumas considerações:

Esse é um dos caminhos do sacerdócio no Druidismo, ao lado do Bardo (Fíli) e do Druida (Druí)[1]. Sabe-se que essas funções se subdividiam em outras nos antigos povos celtas[2], mas muito se perdeu e pouco se sabe sobre como eram essas funções e o treinamento delas. De todo modo, a grande maioria dos grupos druidistas ou druídicos trabalham basicamente com essas três funções sacerdotais, mais as funções não-sacerdotais (que veremos em textos futuros).
Todas as funções no Druidismo hoje podem ser seguidas tanto por homens quanto por mulheres, não importa se é o caminho do Bardo ou do Ferreiro. Tudo é uma questão de dom e vocação (dán).

Os caminhos do sacerdócio são distintos entre si, embora estejam profundamente entrelaçados. É inegável que no Druidismo hoje, o bardo também agregue conhecimentos do caminho do vate e do druida, assim como o vate também apresenta conhecimentos do druida e do bardo, e o druida, por sua vez, acumule o saber do bardo e do vate. Mas cada caminho tem suas particularidades e características importantes de serem lembradas. Pode ser comum encontrar pessoas que transitem por dois caminhos, ou melhor, que dois caminhos (exemplo: bardo e vate) se mesclem em sua vivência religiosa e se expressem harmoniosamente em sua prática. E não há problema algum nisso, pelo contrário, provavelmente essa pessoa é muito inspirada e apresenta muitos dons, que merecem ser aproveitados na comunidade druidista em que participa.

Vate: o caminhante entre os mundos.

O vate (para o foco gaulês) ou fáith (para o gaélico) é uma espécie de xamã. Conhece as plantas e seus poderes, viaja para outros mundos, outras realidades, em busca de conhecimento e respostas, e é comum ter experiências místicas com seres feéricos. É um caminho difícil e nem todos o escolhem, pois é preciso ter muita força espiritual e mental para lidar com as intensas energias dos diversos mundos espirituais e físicos que nos cercam.



Por mergulhar ou viajar constantemente aos outros mundos, o vate pode ser chamado de “habitante do mundo da lua” pelos leigos, devido ao fato dele estar mais presente no mundo de lá do que no de cá e também ser praticamente uma “antena” (frequentemente aberto às mensagens e insights do outro mundo). É por essa razão que se a pessoa não tiver força de espírito o suficiente e bem “ancorada” na Terra, a influência e a força dos outros mundos podem até mesmo fazê-la enlouquecer. O auxílio de um guia ou mestre (físico ou não) nesse caminho, portanto, é de muita importância.


O vate lida com a Cura no nível físico-espiritual-mental-emocional (pois não podemos tratar o físico e ignorar o emocional e o espiritual. Como diz o ditado, “mente sã, corpo são”). A tríade druídica moderna que diz “Curar a si mesmo, curar a comunidade e curar a Terra” cabe perfeitamente no caminho do vate. A busca pelo conhecimento das medicinas tradicionais e terapias “alternativas” faz parte desse caminho e ela nunca cessa de fato.

Em um ritual druídico geralmente é o vate quem consulta o oráculo após a oferenda ser feita para saber se os ancestrais a receberam e se atenderão aos pedidos. Obviamente que em um grupo com número pequeno de membros ou na carência de um vate, aquela pessoa que estiver seguindo o caminho do druida pode realizar a consulta ao oráculo. Mas o estudo de oráculos não é restrito apenas ao caminho do vate. Todos os outros caminhos (bardo, devoto, artesão, guerreiro...) podem estudar e se dedicar a um oráculo, basta ter disposição e vontade.

Consultar e interpretar oráculos são as habilidades do vate, juntamente com a realização de cura pelas plantas e pelas medicinas tradicionais (ou seja, ligadas às tradições da Terra). O vate aprende que o verdadeiro oráculo não está fora dele, mas está dentro. Com desenvolvimento e sabedoria ele se torna o oráculo. Tarot, Ogham, Runas, Scrying com o fogo, a água ou outros elementos, ou interpretações/visões por meio do voo dos pássaros, das nuvens ou do som do vento, são tipos de oráculos que ajudam o vate a desenvolver seus dons, embora este irá se especializar ou sentir afinidade com um ou dois tipos de oráculos.

Há mais ou menos um mês atrás conversei com dois amigos do “Vozes do Bosque Sagrado”, de Brasília, o bardo Malhado e a vate Cecília, que me disseram algo muito interessante sobre as cores-símbolos desses caminhos em sua Ordem, e que para mim fez muito sentido.
O bardo é representado pela cor vermelha, pois é a cor do sangue que flui em nossas veias e refere-se à ancestralidade, à história de nossa família (de sangue e espírito). Também é a cor do fogo da inspiração, que arde na mente e ilumina a tudo e a todos que ouvem o bardo, ou do fogo que queima e fere àqueles que são indignos e alvos de uma sátira. Curiosamente, antes de eu saber que a cor vermelha era associada ao bardo, segundo essa concepção, eu costumava guardar minha pequena harpa enrolada em um pano vermelho e dourado...

O vate é representado pela cor verde, referindo-se às plantas, às árvores, à cura e à natureza. Mas vejo também que a cor azul pode ser relacionada a esse caminho, pois o azul é a cor do mar e das águas, que limpam, curam, purificam e são portais para o Outro Mundo. Verde, azul ou então uma cor que seja um misto entre essas cores; um verde-azulado ou azul-esverdeado.


O druida é representado pela cor branca, que reúne em si todas as cores, pois o druida é o mais antigo na tradição ou no clã e acumulou grande conhecimento, e também porque ele apresenta várias funções em uma só, é “juiz”, teólogo, sábio, místico, profeta, poeta, mestre/professor.

Cada caminho tem uma ou mais divindades patronas[3]. No caminho do vate são Ogma, Dian Cecht, Airmid, Cerridwen. Há outras, provavelmente, que também podem ser consideradas patronas desse caminho e aí, além do que nos diz a mitologia, depende também da vivência e afinidade de cada pessoa com as divindades.

Abaixo segue um belo e inspirado texto, que apesar de não ter origem na cultura celta, para mim, fala muito sobre o caminho do vate.

“Caminho do Leste; avô, sol dourado
Na luz amarela que afasta meu medo
Me lança num voo que cura a ferida
Espírito livre, morada da águia

Me esqueço da dor no caminho do Sul
Espelho quebrado reflete a criança
De corpo tão leve, vestido em vermelho
Destrói essa máscara no olho do lobo

Caverna profunda, meu negro mergulho
Janela suspensa virada pro Oeste
Avó; densa água, clareia bem dentro
A ursa é que guia meu tempo amanhã

Silêncio do Norte, minha reza anciã
É a prata-azulada da chama do fogo
Derrama o saber nesse cântaro fundo
Que um búfalo guarda até eu partir...

São quatro caminhos, a roda não para
O fogo do canto, na terra o tambor
Madeiras de água, no ar um chocalho
Na música eu falo com meu Criador...”

(Quatro Cântaros, por Fernanda de Paula)







[1] Poeta inspirado e druida, respectivamente, no foco gaélico.
[2] Leia mais em: http://aballom.blogspot.com.br/2013/06/tabelas-druidas-vates-e-bardos.html .
[3] No caminho do bardo as divindades patronas ou ancestrais são Brigid, Lugh, Taliesin e Amergin.


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