Algumas
considerações:
Esse é um dos caminhos do sacerdócio no Druidismo, ao lado
do Bardo (Fíli) e do Druida (Druí)[1].
Sabe-se que essas funções se subdividiam em outras nos antigos povos celtas[2],
mas muito se perdeu e pouco se sabe sobre como eram essas funções e o
treinamento delas. De todo modo, a grande maioria dos grupos druidistas ou
druídicos trabalham basicamente com essas três funções sacerdotais, mais as
funções não-sacerdotais (que veremos em textos futuros).
Todas as funções no Druidismo hoje podem ser seguidas tanto
por homens quanto por mulheres, não importa se é o caminho do Bardo ou do
Ferreiro. Tudo é uma questão de dom e vocação (dán).
Os caminhos do sacerdócio são distintos entre si, embora estejam
profundamente entrelaçados. É inegável que no Druidismo hoje, o bardo também
agregue conhecimentos do caminho do vate e do druida, assim como o vate também
apresenta conhecimentos do druida e do bardo, e o druida, por sua vez, acumule
o saber do bardo e do vate. Mas cada caminho tem suas particularidades e
características importantes de serem lembradas. Pode ser comum encontrar
pessoas que transitem por dois caminhos, ou melhor, que dois caminhos (exemplo:
bardo e vate) se mesclem em sua vivência religiosa e se expressem
harmoniosamente em sua prática. E não há problema algum nisso, pelo contrário,
provavelmente essa pessoa é muito inspirada e apresenta muitos dons, que
merecem ser aproveitados na comunidade druidista em que participa.
Vate: o caminhante
entre os mundos.
O vate (para o foco gaulês) ou fáith (para o gaélico) é uma
espécie de xamã. Conhece as plantas e seus poderes, viaja para outros mundos,
outras realidades, em busca de conhecimento e respostas, e é comum ter
experiências místicas com seres feéricos. É um caminho difícil e nem todos o
escolhem, pois é preciso ter muita força espiritual e mental para lidar com as
intensas energias dos diversos mundos espirituais e físicos que nos cercam.
Por mergulhar ou viajar constantemente aos outros mundos, o
vate pode ser chamado de “habitante do mundo da lua” pelos leigos, devido ao
fato dele estar mais presente no mundo de lá do que no de cá e também ser
praticamente uma “antena” (frequentemente aberto às mensagens e insights do
outro mundo). É por essa razão que se a pessoa não tiver força de espírito o
suficiente e bem “ancorada” na Terra, a influência e a força dos outros mundos
podem até mesmo fazê-la enlouquecer. O auxílio de um guia ou mestre (físico ou
não) nesse caminho, portanto, é de muita importância.
O vate lida com a Cura no nível físico-espiritual-mental-emocional
(pois não podemos tratar o físico e ignorar o emocional e o espiritual. Como
diz o ditado, “mente sã, corpo são”). A tríade druídica moderna que diz “Curar
a si mesmo, curar a comunidade e curar a Terra” cabe perfeitamente no caminho
do vate. A busca pelo conhecimento das medicinas tradicionais e terapias
“alternativas” faz parte desse caminho e ela nunca cessa de fato.
Em um ritual druídico geralmente é o vate quem consulta o
oráculo após a oferenda ser feita para saber se os ancestrais a receberam e se
atenderão aos pedidos. Obviamente que em um grupo com número pequeno de membros
ou na carência de um vate, aquela pessoa que estiver seguindo o caminho do druida
pode realizar a consulta ao oráculo. Mas o estudo de oráculos não é restrito
apenas ao caminho do vate. Todos os outros caminhos (bardo, devoto, artesão,
guerreiro...) podem estudar e se dedicar a um oráculo, basta ter disposição e
vontade.
Consultar e interpretar oráculos são as habilidades do vate,
juntamente com a realização de cura pelas plantas e pelas medicinas
tradicionais (ou seja, ligadas às tradições da Terra). O vate aprende que o
verdadeiro oráculo não está fora dele, mas está dentro. Com desenvolvimento e
sabedoria ele se torna o oráculo. Tarot, Ogham, Runas, Scrying com o fogo, a
água ou outros elementos, ou interpretações/visões por meio do voo dos
pássaros, das nuvens ou do som do vento, são tipos de oráculos que ajudam o
vate a desenvolver seus dons, embora este irá se especializar ou sentir
afinidade com um ou dois tipos de oráculos.
Há mais ou menos um mês atrás conversei com dois amigos do “Vozes
do Bosque Sagrado”, de Brasília, o bardo Malhado e a vate Cecília, que me
disseram algo muito interessante sobre as cores-símbolos desses caminhos em sua
Ordem, e que para mim fez muito sentido.
O bardo é representado pela cor vermelha, pois é a cor do
sangue que flui em nossas veias e refere-se à ancestralidade, à história de
nossa família (de sangue e espírito). Também é a cor do fogo da inspiração, que
arde na mente e ilumina a tudo e a todos que ouvem o bardo, ou do fogo que
queima e fere àqueles que são indignos e alvos de uma sátira. Curiosamente, antes
de eu saber que a cor vermelha era associada ao bardo, segundo essa concepção, eu
costumava guardar minha pequena harpa enrolada em um pano vermelho e dourado...
O vate é representado pela cor verde, referindo-se às
plantas, às árvores, à cura e à natureza. Mas vejo também que a cor azul pode
ser relacionada a esse caminho, pois o azul é a cor do mar e das águas, que
limpam, curam, purificam e são portais para o Outro Mundo. Verde, azul ou
então uma cor que seja um misto entre essas cores; um verde-azulado ou
azul-esverdeado.
O druida é representado pela cor branca, que reúne em si
todas as cores, pois o druida é o mais antigo na tradição ou no clã e acumulou
grande conhecimento, e também porque ele apresenta várias funções em uma só, é “juiz”,
teólogo, sábio, místico, profeta, poeta, mestre/professor.
Cada caminho tem uma ou mais divindades patronas[3].
No caminho do vate são Ogma, Dian Cecht, Airmid, Cerridwen. Há outras, provavelmente,
que também podem ser consideradas patronas desse caminho e aí, além do que nos
diz a mitologia, depende também da vivência e afinidade de cada pessoa com as
divindades.
Abaixo segue um belo e inspirado texto, que apesar de não
ter origem na cultura celta, para mim, fala muito sobre o caminho do vate.
“Caminho do Leste;
avô, sol dourado
Na luz amarela que
afasta meu medo
Me lança num voo que
cura a ferida
Espírito livre, morada
da águia
Me esqueço da dor no
caminho do Sul
Espelho quebrado
reflete a criança
De corpo tão leve,
vestido em vermelho
Destrói essa máscara
no olho do lobo
Caverna profunda, meu
negro mergulho
Janela suspensa virada
pro Oeste
Avó; densa água,
clareia bem dentro
A ursa é que guia meu
tempo amanhã
Silêncio do Norte,
minha reza anciã
É a prata-azulada da
chama do fogo
Derrama o saber nesse
cântaro fundo
Que um búfalo guarda
até eu partir...
São quatro caminhos, a
roda não para
O fogo do canto, na
terra o tambor
Madeiras de água, no
ar um chocalho
Na música eu falo com
meu Criador...”
(Quatro Cântaros, por Fernanda
de Paula)
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