Sempre que realizamos uma roda de
conversa sobre Druidismo num bosque municipal de Belém fazemos uma oferenda ao
espírito da árvore que nos acolhe nesses encontros. E nunca nos aconteceu nada
de ruim ou inconveniente durante nem depois de cada roda. Todos os lugares,
como rios, igarapés, bosques, árvores, pedras, cavernas, têm vida e acolhem
vidas. São moradas de diversos seres, visíveis e invisíveis, conhecidos e
desconhecidos dos humanos. Alguns desses seres são amigáveis, outros são
indiferentes, e outros, porém, são hostis a nós. Por isso é sempre um ato de
respeito e prudência deixar uma oferenda a eles e pedir licença ao entrar em
suas moradas. Cuidado com as oferendas, não deixe nada que possa poluir o local.
Incensos, frutas, mel, leite, chá, flores, são boas sugestões. Eles gostam
também de música, boa música (nada de brega, forró, funk... pelo amor dos Deuses...).
Além disso, muitos espíritos da
natureza gostam de tabaco e cachaça. Alguns podem ler isso e estranhar, pois não
é o tipo de oferendas típicas das culturas celtas, digamos assim, e estamos
acostumados a pensar que os espíritos da natureza são as fadas, duendes,
gnomos, e que eles gostam de mel, leite e fruta apenas. Tudo bem, chame-os como
quiser, mas não podemos esquecer que estamos no Brasil e os espíritos da
natureza estão associados a natureza do lugar, óbvio. Portanto, os espíritos da
natureza que existem aqui, não são os mesmos que existem lá (Irlanda, Escócia,
Inglaterra...), embora possam apresentar muitas semelhanças.
Foi a necessidade de entender
esses seres que me motivou (entre outras coisas) a estudar a Encantaria
amazônica, as histórias e todo o imaginário relacionado a eles. Nas terras
célticas eles são chamados de Sídhe, Povo Nobre, Boa Gente, Povo das colinas, e
outras formas. Aqui, na Amazônia, e Pará mais especificamente, são os
Encantados, Caruanas, Povo das Águas, Povo do Fundo ou Companheiros do Fundo. Muitos
são bons, sábios e possuem grande poder de cura, e por isso auxiliam os pajés e
curadores, esses são chamados especialmente de Caruanas e Companheiros do
Fundo. Assumem a forma humana, animal ou ambas. Outros, porém, não são tão
legais não. Gostam de assustar e testar a coragem dos humanos, provocam doenças
que só podem ser curadas com a ajuda de um(a) pajé ou curador(a). Eles
geralmente são chamados de Bichos do Fundo (ou somente de Bichos) ou Bichos
visagentos, e assumem formas esquisitas, humanas ou não.
Há ainda os encantados que são
indiferentes, ou melhor, nem prejudicam nem ajudam os seres humanos, depende do
humor deles no dia ou se você fez alguma coisa que os ofendesse, como falar
alto e fazer barulho na mata, principalmente nas horas “mágicas” (nascer do sol
ou 6 horas, meio-dia, pôr-do-sol ou 18 horas, e meia-noite), deixar lixo pelo
caminho, cortar árvores (principalmente se for morada de um deles), matar
determinados animais com muita frequência, ou entrar no rio ou na mata sem
pedir licença. Gente, é uma questão de bom senso e educação. Ninguém entra na
casa dos outros fazendo barulho, sujando ou ofendendo os moradores, né? Então.
O problema é que muitas pessoas hoje não tem a consciência de que esses lugares
também são casas e que abrigam muitos habitantes. Enfim, na dúvida, se você não
sabe se ali residem encantados amigáveis ou não, é melhor não provocar. Entre e
saia com respeito e nada lhe acontecerá.
Muitos encantados parecem que
querem apenas ser vistos, eles não querem assustar ou malinar (prejudicar, ferir
ou provocar doenças) com os humanos, mas apenas serem vistos, ou melhor,
reconhecidos. Sinto que alguns se sentem tristes por muitos humanos não
perceberem ou ignorarem a existência deles... Sonhei há poucos dias que estava
atravessando uma mata com uma pessoa, desconhecida na vida real, mas que era um
amigo no sonho. E sentíamos, e também víamos, um encantado que morava ali. Era
um menino, negrinho, lembrou-me o Saci, mas não era um, e gostava de cachaça,
bombom e leite. Ele nos ajudou a atravessar a mata até chegarmos em um vilarejo
(parecido com os que existem no interior paraense), eu resolvia algum problema
ali, não lembro o quê e logo voltava para a mata, para atravessa-la e chegar do
outro lado, de onde eu vinha. Mas antes de voltar, eu parava em uma barraquinha
de doces e comprava um bombom de chocolate e pedia um copo com leite, para deixar
ao menino encantado da mata como agradecimento. Mas antes de atravessar a mata
eu acordei. Não sei ao certo o que esse sonho quer me dizer, mas sei que os
encantados ou espíritos da natureza não devem ser temidos, e sim respeitados ou
no mínimo devemos ter uma atitude de prudência e reconhecimento para com eles.
Se isso for feito, tenho certeza que nada de ruim lhe acontecerá ou, como a
gente diz por aqui, nenhuma malineza
lhe farão.
Uma coisa que estava pensando
sobre esse tema é que se nós, seres humanos, também somos a natureza e fazemos
parte dela, nossos espíritos também são ou serão espíritos da natureza. Não é por
acaso que muitos encantados foram pessoas que viveram entre nós, mas que em
determinado momento de sua vida “se encantaram”, ou seja, não morreram, e se
fundiram misteriosamente e magicamente a um lugar especial (um rio, uma árvore,
uma cidade...). Outra coisa é que muitos Deuses e Deusas celtas estão
profundamente ligados a um lugar, como Boann está ligada ao rio Boyne, Áine à
colina de Knockaine, Macha à Emain Macha, Angus Óg ao Brú na Boinne (Newgrange),
etc. Então, eles são de certa forma Espíritos da Natureza também, não são?!
Enfim, viajei um pouco aqui e nem
escrevi tudo o que pensei sobre isso, pois não é um assunto tão simples quanto pensamos... A compreensão sobre os espíritos da natureza e a nossa relação com eles são
coisas a serem desenvolvidas ao longo de uma vida inteira. E ainda assim, não
haverá uma conclusão. Que bom!
Elemental song – Lisa Thiel
Sacred spirit of the mountain
Ancient ones who reside here
We offer you a song of greeting
So that our way may be clear
Sacred spirit of the forest
Ancient ones who reside here
We offer you a song of greeting
So that our way may be clear
Sacred spirit of the water
Ancient ones who reside here
We offer you a song of greeting
So that our way may be clear
Sacred spirit all around us
Ancient ones who reside here
We're asking now for thou blessing
As kindred in the one we are
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