Hoje fez três anos que minha avó
materna, Alzira (essa pessoa linda na foto ao lado), partiu para as Terras além das Ondas. E eu era, ainda sou,
muito ligada a ela. Lembro bem da sua voz me chamando para a merenda da tarde. “Mayyyra...!
Vem lanchar menina!”, e quando eu demorava para ir, ela insistia: “Mayra,
menina, vem lanchar se não fica tarde...! Essa menina não come...”, ela
resmungava. E era mesmo, quando criança era muito chata pra comer rs. E
lembro-me bem do cheiro de café que rescindia pela casa quando dava umas 15:00
h. Acho que foi daí que peguei tanto gosto pelo café (mais pelo cheiro do que
pelo gosto, pois prefiro o café misturado ao leite do que só o café puro). E
esse costume, de “passar o café” e merendar a tarde se mantém tanto na casa de
minha mãe, quanto na de minha tia (onde minha avó morava) e na minha também.
Lembro de quando a minha avó preparava um lanche para mim todo especial, e ao
mesmo tempo tão simples. Era café com leite e pão com manteiga cortado em
pedaços, que eu mergulhava com uma colher na xícara de café e comia. Nossa... Como
era gostoso! Demorei um bom tempo, bom tempo mesmo, para me acostumar a comer o
pão inteiro e não cortá-lo em pedacinhos como minha vó fazia. Às vezes ainda
como assim, e lembro-me dela com carinho ao fazer isso...
Acho que não há coisa mais
sagrada no mundo do que a família. E acho lindo quando vejo uma família que se
ama e é unida. Fico triste em ver tantas famílias desagregadas, brigando o
tempo todo e parentes que não se amam e não se apoiam. Uma coisa triste isso e
que só traz infelicidade e maldição a todos.
Os celtas davam uma atenção
especial às famílias, os clãs, e aos membros que já se foram, os antepassados.
Manter unidos os laços entre família e antepassados era mais do que importante,
era fundamental para a paz e harmonia de uma casa. Coisa que hoje em dia não é
uma preocupação muito constante das pessoas. Eles, os antepassados, ficam
esquecidos, e nós, os descendentes, ficamos perdidos.
Não escreverei muito sobre as
Três Famílias, coisa que já fiz em um texto anterior, mas vale a pena explicar
um pouco sobre elas. No Druidismo a honra aos ancestrais está representada na
crença das Três Famílias ou Ancestralidades, ou seja, temos Três Famílias de
ancestrais, que são:
Ancestrais da Terra, que são os
espíritos e seres da natureza (fadas e tantos outros seres, que em nossa região
são chamados de Iaras, botos, cobras-grandes, saci, curupira, ou genericamente
de Encantados). E também são os
antigos que viveram e caminharam sobre esta terra a qual vivemos e caminhamos hoje,
sendo os povos indígenas os mais lembrados, mas não somente eles, os povos africanos
também (principalmente quando a pessoa tem uma ascendência afro). Espíritos
ancestrais de animais (que alguns chamam de Totem) também são reverenciados
como ancestrais da Terra.
Ancestrais de Sangue, são os que
vieram antes de nós, os pais de nossos pais e mães de nossas mães. Nossos antepassados,
conhecidos ou não, cujo sangue corre em nossas veias, cujos rostos podem ser
vistos em nossos rostos, e cuja memória esconde-se e/ou revela-se em nossas
memórias.
E os Ancestrais de Espírito ou de
Caminho, que são os povos celtas e druidas antigos, os que viveram o Druidismo
e a cultura celta antes de nós, que testemunharam a glória dos Deuses e que trilharam
esse caminho o qual hoje estamos trilhando e também reconstruindo (na medida do
possível ao nosso tempo e conhecimento, claro). São também os Deuses e Deusas
celtas, se pensarmos que muitos deles são ancestrais divinizados de certas tribos.
Nunca fui de ver ou ouvir espíritos
e outros seres estranhos. Mas quando escuto alguém contar histórias de visagens,
fantasmas e “bichos visagentos” acho um pouco engraçado o espanto e estranhamento
que essas pessoas têm. Para mim o que é uma coisa normal é considerado muito
estranho e até mesmo demoníaco para outros. Seres peludos e curiosos invadindo
casas no meio da mata, almas de pessoas recém-falecidas aparecendo para familiares
ou amigos próximos, são histórias contadas e ouvidas com tanto medo e terror
que acho até graça. Claro, que se eu passasse por uma experiência dessas
ficaria gelada até os ossos e mais pálida do que já sou, até porque isso não é comum
de me acontecer, mas acho que eu encararia depois o acontecimento com mais
naturalidade do que muitas pessoas. Isso acontece porque, infelizmente, muitas
religiões (principalmente, o cristianismo e suas vertentes) não preparam seus
adeptos para lidar bem com a morte (e os mortos), e aí quando uma situação
dessas acontece, a pessoa pensa logo que é obra do demônio (assim como um monte
de outras coisas). Que vida triste deve ser dessa pessoa que pensa que quase
tudo (ou praticamente tudo) no mundo é obra do “demônio”...
Li uma vez, não lembro direito
onde, um pequeno conto* sobre um diálogo entre um padre e um sábio irlandês. O
sábio perguntava ao padre onde estavam seus mortos, e o padre respondia: “No
cemitério que você vê aqui perto, sob as lápides de pedra, sob a terra fria e
escura”. O padre perguntou ao sábio o mesmo, e este lhe respondeu: “Nossos
mortos estão aqui”, levantou o dedo e no mesmo instante o padre viu as almas de
seus entes conhecidos e também pessoas desconhecidas pairando sobre todo o ar
que os cercava, nas árvores, no céu, nas nuvens, no vento, nos rios, nas
pedras, em tudo.
Legal né?! Adoro essa história...
No Druidismo, diferentemente da
Wicca, por exemplo, os ancestrais são lembrados e honrados em todos os
festivais sagrados, não só em Samhain (Samonios ou Oíche Samhna, a “Festa dos
Antepassados”, o Fim do Verão). E muitos druidas e druidistas ou recons. celtas
possuem em suas casas um altar ou espaço dedicado somente à eles. Acho isso bem
legal e estou montando aos poucos um altar dos ancestrais em minha casa. Uma
mesa ou bancada com fotografias, retratos, lembranças, joias e objetos pessoais
dos antigos, onde você possa realizar orações e oferendas aos antepassados é uma
forma bem interessante de manter a memória deles viva, fortalecendo com isso os
laços entre eles e a família.
Tive há poucos dias atrás uma
experiência que não sei dizer, sinceramente, se foi viagem da minha cabeça ou
se foi real mesmo. Estava acordando de um sono ou cochilo da tarde e enquanto
tomava coragem para levantar da cama fiquei olhando para o ventilador de teto,
que tem embutida uma lâmpada e que está envolta por uma proteção ou uma capa (não
sei ao certo o nome disso) de vidro fosco. Fiquei olhando fixamente para a
lâmpada, ou melhor, a capa de vidro e de repente começou a se formar no reflexo
um rosto de uma pessoa que ia mudando para outro rosto, e depois mudava para
outro e assim ia. Foram uns cinco ou seis rostos diferentes (de homens e
mulheres, o último parecia ser de um menino) e desconhecidos para mim. Veio-me na
mente uma pergunta, “O que vocês querem?”, e em seguida a reposta: “Ser
lembrados”. Bom, real ou não essa experiência
foi válida, porque no fundo acredito que o que os antepassados mais querem é
basicamente isso, serem lembrados. É o que mantêm eles vivos em nossas memórias
e corações, e o que mantêm o “mundo de cá” ligado ao “mundo de lá”.
Já assistiram ao filme “Um olhar
do Paraíso”? É bem interessante. Acredito muito na ideia que é trabalhada no
filme, de que o mundo espiritual está ligado ao mundo físico e, o mais
importante, que o que é feito no mundo de lá afeta o quê e quem está aqui, e o
que é feito no mundo aqui toca o quê e quem está lá.
No final das contas acho que o
que eles (os antepassados e espíritos) mais querem é ser lembrados, não com
pesar ou tristeza, mas com saudade e amor. Porque afinal, todo mundo morre um
dia, e também renasce.
("Remember the dead", foto de Graham M. Green).
* O conto está escrito aqui com
minhas palavras, mas a ideia é essa mesma.
** Dedico esse texto à minha
amada avó, Alzira Fecury Hage. Que ela esteja em paz e alegria na Terra dos Abençoados.
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