4 de dezembro de 2012

5. Elementos


Uma das coisas que mais amo no Druidismo e no RC é essa sabedoria de que somos de fato parte da natureza. De que ela está em nós, e nós estamos nela. Essa crença, inclusive, existe em muitas outras religiões e culturas profundamente ligadas a Terra. Em um documento dos aborígenes australianos há as seguintes palavras:

“Somos aborígenes, somos os ventos do deserto, somos as planícies ensolaradas, somos as águas puras, somos a Austrália. Esta terra é nossa por direito de nascimento. Neste novo mundo, nesta nova sociedade, só temos um princípio: sermos os guardiões de nossos irmãos”. 
(Somos as águas puras, de Carlos R. Brandão, 1994).

Soa bem familiar aos ouvidos de um(a) druida(esa) ou druidista* isso, não?

Apesar de ser basicamente inexistente nas religiões monoteístas, esse pensamento existiu de forma interessante no “cristianismo irlandês”, pois mesmo São Patrício condenando as práticas e crenças antigas, ele mantinha algumas práticas consideradas cristãs, mas que eram no fundo pagãs ou oriundas de um modo de pensar certamente anterior ao cristianismo. Muitos devem conhecer, por exemplo, a “Lorica de São Patrício”, de 433 d.C. , ou uma versão baseada nela:

"Eu me levanto hoje pela Força do Céu,
Luz do Sol, Radiância da Lua,
Esplendor do Fogo, Velocidade do Raio,
Leveza do Vento, Profundidade do Mar,
Estabilidade da Terra, Firmeza da Rocha"

Nesta prece podemos identificar os nove elementos, e que em outras versões ou estudos são sete ou onze, mas é mais conhecida a ideia dos nove elementos. Na Lorica acima os elementos são: Céu, Sol, Lua, Fogo, Raio, Vento, Mar, Terra e Rocha. Em outras versões o Raio não aparece, e sim a Vegetação.
Vejamos abaixo uma lista relacionando os elementos as partes de nosso corpo.

Céu – Cabeça
Sol – Face
Lua – Mente
Nuvem – Cérebro (Pensamentos)
Vento – Respiração
Mar – Sangue
Terra – Carne
Vegetação – Cabelo
Rochas – Ossos

Os três primeiros elementos estão relacionados ao reino do Céu (Neamh), os três seguintes ao reino do Mar (Muir) e os três últimos a Terra (Talamh). Tentei fazer uma lista associando os elementos também às direções, virtudes, objetos (ou tesouros) sagrados e animais, mas ainda não cheguei a bons resultados. Vou pensar mais e quando chegar a uma boa conclusão compartilho com vocês essa lista.

Existe também a ideia dos “Três Elementos Druídicos” (que no geral não é tão desconhecida, como veremos), presente em um artigo do John Michael Greer no site da AODA, e que foram traduzidos alguns trechos por Renata Gueiros. Nesse artigo, Greer explica que há o Nwyfre, representado pelo Céu azul, e é a fonte da consciência e da vida; o Gwyar, que é o sangue, e significa fluxo, fluidez, mudanças e movimento; e o Calas, que significa solidez, é a fonte da forma, materialidade, manifestação e estabilidade.
Greer finaliza sua explicação dizendo que “tudo no universo é criado da combinação desses três elementos, com um deles predominando. Todos são formas da substância original, a qual é chamada de manred. Manred não possui características próprias, exceto pelo poder de se condensar em calas, fluir para gwyar ou expandir para nwyfre” (tradução de Renata Gueiros).

Tudo isso nos remete a crença de que o mundo é na verdade um grande ser vivo. O que realmente os cientistas e ecologistas estão nas últimas décadas confirmando com a hipótese de Gaia, de J. Lovelock. Além disso, a ideia de que o mundo está em nós, e nós estamos no mundo é bem clara. Nós somos o mundo, e o que fizermos a ele, estaremos fazendo a nós mesmos.
Essa crença também pode estar fundamentada em algum mito celta de criação, perdido no tempo e nos registros antigos de mitologia céltica, infelizmente, em que um deus ancestral ou um gigante era morto e sacrificado, e seu corpo dividido para formar o(s) mundo(s) em que vivemos. Tema esse que é universal na(s) Mitologia(s).
Há um mito, que li em um livro ("O mundo místico dos caruanas da Ilha do Marajó") escrito por uma pajé de Soure (Marajó/PA), a sra. Zeneida Lima, que conta que Auí, o ser luminoso, depois de ter ido às profundezas das águas e descoberto a matéria ou essência da qual era feito o Girador (a divindade criadora) teve seu corpo dividido em três partes para formar o mundo. As três partes deram origem ao reino mineral, animal e vegetal, e essas três partes estão presentes em cada ser vivo, e obviamente nos seres humanos. Quando uma (ou mais) dessas partes encontra-se desequilibrada no indivíduo, uma doença, uma perturbação emocional, mental ou mesmo financeira pode ser provocada.

Novamente, isso nos soa familiar, não?

É tudo um grande nó. Tudo está interligado. O fim e o começo não podem ser vistos, nem medidos. Os laços não podem ser quebrados, mas fortalecidos. E se assim o forem, benditos seremos nós e cada um dos nós. Os reinos, os elementos, os mundos... O mundo.

(imagem de Lisa Hunt)


* Para termos de esclarecimento, por druidista quero dizer aquele(a) que estuda e pratica o Druidismo sem, no entanto, se definir como um druida, ou seja, é o devoto ou devota da fé céltica. Uma pessoa que vivencia o druidismo, mas não segue o caminho do sacerdócio, isto é, não se considera um druida, vate ou bardo.

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