(Lia Fail, na Colina
de Tara, Irlanda, onde os antigos reis eram coroados. Foto de John Duncan, do
Flickr).
“O Rei e a Terra são um”, uma ideia frequente e forte nos mitos e cultura celta. Quem confere poder ao rei, em termos míticos e simbólicos (e, portanto, sociais) não é necessariamente o povo ou a tribo, mas a Deusa da Soberania, personificação da própria Terra e Natureza Sagrada. Somente quando o rei se une à Soberania, como no antigo ritual de união do rei com a égua sagrada (representação da deusa da soberania) ou quando é oferecida a ele a taça com uma bebida por uma Donzela feérica (tida como a esposa de Lugh) é que ele é reconhecido como Rei e digno de liderar seu povo.
Era uma
aliança sagrada que deveria ser respeitada, e ela se estende para além da
relação entre o rei e a terra, pois é também uma aliança entre a tribo e a terra,
os deuses e os humanos, a natureza e a humanidade, a sabedoria e o poder. O
desequilíbrio ou a desonra dessa relação implicaria em desgraça, doença e
infertilidade em todos (rei, tribo e terra). É o que vemos no mito de Arthur, o
rei, no final de seu reinado e a busca incansável pelo Graal.
A Deusa da
Soberania tem muitas faces e nomes, e ao mesmo tempo nenhuma identidade. Ela
permeia toda a extensão da terra, é quem comanda a mudança das estações, a fertilidade
dos campos e animais. Ela é o florescer da primavera e também o vento frio do
inverno. É o canto de um bem-te-vi e também o cheiro pútrido do urubu. É a
cantiga de ninar da mãe que acalenta seu filho e o choro sofrido dos que perdem
um parente querido... Ela é Epona, Cerridwen, e Ériu... É a Senhora Fada da
Natureza que detém o poder sob o bastão que ora está nas mãos de Beira ora nas
mãos de Bríde. Como Danu, ela é a própria terra, viva e pulsante, mais velha do
que o próprio tempo e tão ancestral que nenhum mito sobre ela nos restou aos
dias atuais. Grande Rainha, Alma do mundo, Mãe das Fadas, Mãe dos Deuses e
homens...
(Ériu,
imagem de Katy Kianush).
Para além das
terras célticas ela existe aqui também, no Brasil e na Amazônia (onde nasci e
vivo), e assume outras formas e características. Ela é Cy, a Mãe tupi-guarani.
É a Senhora das Águas, denominação maravilhosa de Lucy Pena às diversas
estatuetas femininas produzidas há alguns milênios por populações antigas (e
muito pouco conhecidas, infelizmente) da Amazônia e encontradas na região, mais
especificamente no Pará. Diversas estatuetas, com diferentes tamanhos e
desenhos, mas todas seguindo o mesmo padrão artístico.
(“Senhora
das Águas”. Réplica em tamanho ampliado de uma estatueta feminina encontrada no
Marajó. Foto de meu arquivo
pessoal).
(Minha
pequena estatueta da “Senhora das Águas”, em um vaso na varanda de casa)
Obviamente que
Cy e a Senhora das Águas não são as mesmas que Ériu e Epona. Mas todas são
Senhoras da Natureza, da própria Terra, em suas terras. E nós, druidas,
druidesas, druidistas e recons. celtas, vivendo em terras brasileiras devemos
reatar a aliança não só com Ériu, a Soberana da Irlanda, ou Epona, Grande
Rainha dos gauleses, mas também com a Deusa da Terra que nos acolheu e nos
gerou nessa vida. Sei que estamos ligados profundamente às terras célticas, mas
não podemos deixar de honrar e cuidar da terra em que nascemos e caminhamos
agora.
Alguns devem
lembrar daquela cantiga que diz... “A Terra é nossa Mãe, devemos cuidar dela...”
*. Pois então, cuide dela, e ela cuidará de ti. Caminhe com ela, e ela
caminhará ao teu lado. Cante para ela, e ela curará os teus males. E então, a
tua voz será a voz dela. Os teus sonhos, serão os sonhos dela. A tua
felicidade, será a felicidade dela. E o teu poder, será também o dela...
Finalizo compartilhando
essa música/vídeo que simplesmente amo e que me tocou profundamente a alma
quando ouvi pela primeira vez há uns anos atrás, e sempre me arrepio quando a escuto. A música é “The Voice”, e
nessa versão é cantada pelo grupo Celtic Woman. Essa música me acompanhou
enquanto escrevia esse texto, e para mim fala claramente, e da maneira mais
doce e verdadeira, sobre a Deusa Terra, seja ela a Ériu, Epona, Cerridwen, Pachamama
ou a Senhora das Águas... Que a sua Voz seja sempre ouvida e seu chamado sempre
atendido!
The Voice
I hear your voice on the wind,
And I hear you call out my name,
'Listen my child', you say to me,
'I am the voice of your history
Be not afraid, come follow me,
Answer my call and I'll set you free'
I am the voice in the wind and the pouring rain
I am the voice of your hunger and pain
I am the voice that always is calling you
I am the voice, I will remain
I am the voice in the fields when the summer's
gone
The dance of the leaves when the autumn winds
blow
Ne'er do I sleep throughout all the cold winter
long
I am the force that in springtime will grow
I am the voice of the past that will always be
Filled with my sorrow and blood in my fields
I am the voice of the future, Bring me your
peace
Bring me your peace and my wounds, they will
heal
I am the voice in the wind and the pouring rain
I am the voice of your hunger and pain
I am the voice that always is calling you, I am
the voice
I am the voice of the past that will always be
I am the voice of your hunger and pain
I am the voice of the future, I am the voice
I am the voice, I am the voice, I am the voice
* Os que participaram do III EBDRC lembrarão da cantiga, eu espero rs ; ) .
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