“Não faças a outrem, o que não queres que façam a ti”. Essa máxima é de Confúcio, e vale com certeza para todo e qualquer indivíduo. Se todos aplicassem em suas vidas, muito provavelmente teríamos uma sociedade melhor. E isso cabe tanto para as relações entre humanos quanto entre humanos e outros animais, e humanos e natureza.
Uma pessoa que diz fazer o bem
para outro ser humano, mas que maltrata um gato ou cachorro, por exemplo, é no
mínimo hipócrita e de caráter um tanto duvidoso. Ser ético diz respeito não só
aos seres humanos, mas a todos os seres que compartilham do mesmo planeta.
Uma tríade celta, que gosto muito, diz: "Honrar os Deuses, não fazer o mal, agir com bravura". No Druidismo, semelhante no
Asatru Vanatru (paganismo nórdico), temos a ideia das Virtudes que todos,
druidas ou não, devem cultivar.
Em um texto gaélico do século VII, chamado “Audacht
Morainn” são mencionadas 15 virtudes: compaixão, veracidade, imparcialidade, responsabilidade,
constância, generosidade, hospitalidade, cortesia, firmeza, benevolência,
aptidão, confiabilidade, eloquência, serenidade, precisão no julgar. Algumas
dessas virtudes podem ser unidas em uma só, pois estão profundamente ligadas,
como a hospitalidade, generosidade e cortesia, e também compaixão e
benevolência. Dessa forma foram elaboradas as 9 Virtudes no Druidismo,
conhecidas como Verdade, Honra, Excelência, Justiça, Hospitalidade, Coragem,
Lealdade, Piedade religiosa, Respeito. É possível encontrarmos variações de uma
ou outra virtude, mas a ideia é basicamente a mesma. De todo modo, são virtudes
esperadas tanto de um druida quanto de um devoto.
Mas acho que não existe melhor
texto da cultura celta que exprime a ética no Druidismo (e que devemos todos
seguir) como “As Instruções de Cormac”, do Livro de Ballymote, e por isso a
transcrevo a seguir:
As Instruções de Cormac
Do Leabhar Bhaile an Mhóta (Livro
de Ballymote). Tradução de Bellouesos Isarnos.
Ethne deu a Cormac um filho, seu
primogênito, Cairpre, que foi rei de Ériu depois de Cormac. Foi durante a vida
de Cormac que Cairpre subiu ao trono, pois ocorreu que, antes de morrer, Cormac
foi ferido por uma lança e perdeu um dos olhos e era proibido que qualquer
homem com um defeito fosse rei em Ériu. Assim, Cormac entregou o reino nas mãos
de Cairpre, mas, antes de fazê-lo, transmitiu a seu filho toda a sabedoria que
possuía no governo dos homens e isso foi anotado em um livro chamado As
Instruções de Cormac. Estas palavras encontram-se entre seus ensinamentos:
- Ó Cormac, neto de Conn – disse
Cairbre -, quais são os deveres de um chefe numa taverna?
- Não é difícil dizer - disse Cormac.
- Bom comportamento em volta de
um bom chefe,
Luzes para as lamparinas,
Esforçar-se pelo grupo,
Distribuição adequada de
assentos,
Generosidade dos distribuidores,
Mão ágil ao servir,
Atendimento solícito,
Música com moderação,
Narrativas curtas,
Semblante jovial,
Amável saudação aos convidados,
Durante récitas, quietude,
Cantorias harmoniosas.
- Ó Cormac, neto de Conn – disse
Cairbre -, quais teus costumes quando eras um rapaz?
- Não é difícil dizer – falou
Cormac.
- Eu escutava nas florestas,
Fitavas as estrelas,
Era cego a respeito de segredos,
Silencioso nos ermos,
Palrador no meio da multidão.
Moderado no salão de festas,
Duro no combate,
Cortês para com os aliados,
Um médico para o enfermo,
Fraco para com o débil,
Forte para com o poderoso,
Não era íntimo para não me tornar
inconveniente,
Não era arrogante, embora fosse
instruído,
Conquanto capaz, não era dado a
prometer,
Não era temerário, embora fosse
rápido,
Conquanto fosse jovem, não
zombava dos velhos,
Não era jactancioso, embora fosse
bom lutador,
Não falaria de alguém em sua
ausência,
A vituperar eu preferia exaltar,
A pedir eu preferia dar,
Pois é com tais costumes que os
jovens tornam-se maduros e nobres guerreiros.
- Ó Cormac, neto de Conn – disse
Cairbre -, qual é a pior coisa que tens visto?
- Não é difícil dizer: – falou
Cormac – as faces de inimigos no tumulto da batalha.
- Ó Cormac, neto de Conn – disse
Cairbre -, qual é a mais doce coisa que tens ouvido?
- Não é difícil dizer: – falou
Cormac – o grito de triunfo depois da vitória, louvor depois dos esforços, o
convite de uma dama para seu leito.
- Ó Cormac, neto de Conn – disse
Cairbre -, que é o pior para o corpo de um homem?
- Não é difícil dizer: – falou
Cormac – sentar-se por muito tempo, ficar muito tempo deitado, esforçar-se além
das próprias forças, correr demais, saltar demais, cair muitas vezes, dormir
com a perna por cima da grade da cama, olhar brasas acesas fixamente, cera,
colostro de vaca, cerveja nova, carne de touro, comida azeda, comida seca, água
do brejo, levantar-se muito cedo, frio, sol, fome, beber demais, comer demais,
dormir demais, pecar demais, tristeza, subir uma elevação correndo, gritar
contra o vento, secar-se ao fogo, o orvalho do verão, o orvalho do
inverno, remexer cinzas, nadar de
barriga cheia, dormir de barriga para cima, fazer brincadeiras idiotas.
- Ó Cormac, filho de Conn – disse
Cairpre – quais são o pior pedido e a pior argumentação?
- Não é difícil dizer – falou
Cormac.
-
Combater contra o conhecimento,
Argumentar sem provas,
Escudar-se em linguagem
imprópria,
Uma elocução tensa,
Falar resmungando,
Excesso de minúcias,
Provas duvidosas,
Desprezo aos livros,
Voltar-se contra os costumes,
Mudar o pedido,
Instigar a ralé,
Soprar a própria corneta,
Berrar a todo pulmão.
- Ó Cormac, neto de Conn – disse
Cairpre -, quem são os piores com quem podes fazer uma comparação?
- Não é difícil dizer – falou
Cormac.
- Um homem com o descaramento de
um satirista,
Com a belicosidade de uma
escrava,
Com a negligência de um cão,
Com a consciência de um patife,
Com a mão de um ladrão,
Com a força de um touro,
Com a respeitabilidade de um
juiz,
Com saber engenhoso e perspicaz,
Com o discurso de um homem
majestoso,
Com a memória de um historiador,
Com o comportamento de um abade,
Com o juramento de um ladrão de cavalos,
E sendo inteligente, mentiroso,
grisalho, violento, blasfemo, falastrão, quando diz: “a questão está decidida,
eu juro, jurarás também.”
- Ó Cormac, neto de Conn – disse
Cairbre – desejo saber como devo comportar-me entre os sábios e tolos, em meio
aos amigos e estranhos, entre os jovens e os velhos, em meio aos inocentes e
perversos.
- Não é difícil dizer – falou
Cormac.
- Não sejas muito douto, não
sejas muito néscio,
Não sejas muito presunçoso, não
sejas muito acanhado,
Não sejas muito orgulhoso, não
sejas muito humilde,
Não sejas muito falador, não
sejas muito silencioso,
Não sejas muito rígido, não sejas
muito débil.
Se fores muito douto,
esperar-se-á muito de ti.
Se fores muito néscio, serás
enganado.
Se fores muito orgulhoso,
acreditar-te-ão molesto.
Se fores muito humilde, serás sem
honra.
Se fores muito falador, não te
darão atenção.
Se fores muito silencioso, não
serás estimado.
Se fores muito rígido, serás
quebrado.
Se fores muito débil, serás
esmagado.
Aqui terminam as Instruções de
Cormac Ulfada, filho de Art, filho de Conn Cétchathach, filho de Óenlám Gaba,
filho de Tuathal Techtmar, filho de Feradach Findfechtnach, filho de Crimthann
Nia Nár, filho de Lugaid Riab nDerg, filho de Bres, Nár and Lothar, filhos de
Eochaid Feidlech, filho de Find, Grande Rei de Ériu, que o filho de Art deu a
seu primogênito, Cairpre Lifechair.
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